A Margem (Ozualdo Ribeiro Candeias, 1967) DVDRip VOSE

Sección dedicada al cine experimental. Largometrajes, cortos, series y material raro, prácticamente desconocido o de interés muy minoritario.
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V
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A Margem (Ozualdo Ribeiro Candeias, 1967) DVDRip VOSE

Mensaje por V » Mar 08 Nov, 2011 20:30

A Margem
(Ozualdo Ribeiro Candeias, 1967)

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Primeiro e último marginal, ou marginal entre marginais,
Candeias é um monumento do experimental em nosso cinema.
                    • [list][list]Jairo Ferreira
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  • A Margem (1967) de Ozualdo Candeias, su primer largometraje de ficción, es la película considerada inaugural de esa otra forma de hacer cine en Brasil que se acuñó como Cinema Marginal. Transcurre en las orillas del río Tietê de São Paulo; una zona marginada y deprimida dentro de la gran urbe, que ya era entonces el motor económico del país. Allí Candeias perfila una serie de personajes excluidos que deambulan por los márgenes del río sin un rumbo preciso. La narración no construye una historia, sino fragmentos indicadores de historias. José Carlos Avellar diría que «se podía sentir como un cine imposibilitado para moverse, para construir una historia, porque se había vuelto hacia los que no importan para la historia». El autor mantiene a los personajes en un cierto aislamiento, apenas se comunican si no es a través de los gestos y las miradas, con ello Candeias logra crear un ambiente enigmático, cargado de ternura, que enfatiza la dimensión poética de las imágenes.

    ---MNCARS
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  • Em A Margem, que foi rodado em tempo e condições recordes, com orçamento baixíssimo e absoluta parcimônia de recursos técnicos, Candeias procurou narrar histórias paralelas que não se entrosam, mas no final dão unidade à ação fílmica. Numa delas ele buscou uma inovação: a narração inteiramente em câmera subjetiva, processo que lhe inédito (e o diretor patrício, com toda a simplicidade, declara ignorar que, já em 1946, Robert Montgomery, com A Dama do Lago, havia feito um filme inteiro por esse sistema). Já na segunda, narrando uma história entre verista e simbólica, indiscutivelmente ligada ao mais genuíno primitivismo paulistano, Candeias apresenta uma obra com características tais que o tornam —a julgar pelo cinqüenta por cento do copião que nos foi dado apreciar— uma espécie de Pasolini brasileiro, de Pasolini paulista.

    ---Rubem Biáfora (O Estado de S.Paulo, 5/2/1967)
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  • Dizem às vezes que Candeias é um primitivo. Não sei o que isso significa aplicado ao cinema, pelo menos depois de 1915. A margem é um filme que me impressionou muitíssimo quando o vi pela primeira vez e que ainda hoje me impressiona. A primeira razão é que essa história de pobres que vivem às margens do rio Tietê tinha uma verdade que faltava a outros filmes. Quem o fez entendia a pobreza de maneira profunda, sabia vestir seus pobres, atribuir-lhes gestos que não significavam —isto é, que não eram signos dessa condição—, mas que eram. A segunda é que o cruzamento de sentidos era extremamente rico: a marginalidade não era um assunto exterior ao filme, mas sua substância mesmo. E para que isso acontecesse, o fato de a história se passar nas margens do rio era um achado raro. A terceira, e talvez mais importante, é que a mise-en-scène de Candeias era extremamente original. Não penso tanto no achado narrativo de uma das histórias, que consiste em usar a câmera subjetiva. Mas nessa maneira de dispor os personagens, de fazer com que eles como que flutuem na tela, como se o filme se referisse ao mesmo tempo a esse mundo real, da margem e a um outro, imaginário, e como se os personagens pudessem habitar os dois ao mesmo tempo: o que lhes era reservado pelo mundo e aquele que criavam e no que efetivamente sobreviviam.

    Não creio que isso seja primitivo. Eu chamaria a isso de poético. Não a poesia comandada pelo autor do filme, que transforma as coisas, mas essa que vem das coisas e que, pelo talento, alguns raros cineastas conseguem fazer com que sua objetiva agarre e registre.

    ---Inácio Araújo
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  • Entrevista com Ozualdo Candeias
    Entrevista realizada na Rua do Triumpho 35, Boca do Lixo, por Ruy Gardnier em 25 de agosto de 1999.
    Spoiler: mostrar
    O COMEÇO


    O que te moveu pra começar a fazer cinema e especificamente o teu cinema?

    É o seguinte: desde moleque, eu nunca quis ser nada. Todo mundo fala: "Eu faço o que o meu pai faz". Mas eu era meio assim. Como uma das vezes eu morava na beirada de uma estrada de ferro, eu falei que queria ser maquinista, achava aquilo bonito. E depois, lá em Mato Grosso tinha a peonada, eu gostava da peonada, e eu comecei e queria ser peão. Tinham alguns que eram matadores profissionais, bons de pontaria pra caramba, então eu queria ser também um matador profissional, justiceiro.


    Você chegou a treinar tiro?

    Eu sou sargento de aviação, fiz curso com americanos de metralhadora anti-aérea, metralhadora de bordo. Eu gosto de armas, mas não é por isso não... Eu gosto de equipamentos, essas coisas de cinema e vai daí afora. Eu só estou tentando dizer que eu não era daquelas pessoas que queriam ser alguma coisa. Meu pai vivia andando, né? Então estivemos em Mato Grosso, Campo Grande, Coxim, Três Lagoas, sei lá mais quê, Presidente Prudente, Marília, Olímpia e vai daí afora. Até eu ficar mais ou menos com treze, catorze anos. Aí São Paulo outra vez, fomos trabalhar, numa merda danada, todo mundo trabalhava e mal dava para comer e eu fui ser operário numa fábrica de camas. E como aquilo me chateava eu saía do emprego, ia embora e arrumava outro em qualquer canto e não recebia. Que eu achava meio chato esse negócio de fazer os outros pagar. Aí a minha mãe tinha que saber por onde eu tinha andado para ir buscar o dinheiro, porque eu precisava do dinheiro. Aí eu percebi que eu tinha que continuar estudando porque sem estudar eu não ia conseguir emprego nem porra nenhuma, e eu já tinha alguns conhecidos já letrados, que já tinham primário, secundário e eu nada. Aí eu falei com o meu pai, já estava um pouco melhor de dinheiro, eu fiz um exame de admissão, passei seis meses fazendo exame de admissão - eu só tinha até segundo ano primário - mas passei. Passei e aí fiz perito contador, esses troços todos, mas não terminou. Daí entrei pras forças armadas.


    Tudo isso em Mato Grosso?

    Não, tudo isso entre Mato Grosso e São Paulo.


    Mas a admissão você já fez em São Paulo?

    Fiz em São Paulo. E eu estava para terminar, para receber diploma, larguei tudo e mandei tudo à merda. Fui fazer escola de cadetes do Rio Grande do Sul, levei pau nos exames, não sei bem por quê, porque tinham uns dez caras fazendo no Rio de Janeiro e o único que sabia alguma coisa era eu, porque o resto não sabia nada, eu conhecia os caras... Isso pra explicar que eu era um cara sem vocação pra nada.

    O fato é que lá num dia, depois de Forças Armadas, depois de eu ter comprado um caminhão, viajado com um caminhão por aí - o que também encheu o saco, porque era andar por aí de caminhão transportando era bom, o duro era receber -, e eu tinha uns tempos de prefeitura, então eu tinha uns tantos direitos com relação ao funcionalismo público, e aí num dia eu vi uns projetorzinhos de cinema, achava que aquilo era meio engraçado e podia comprar um. E eu tinha casado a pouco tempo, tinha um filho pequeno e pensei em mostrar pro moleque, fazer a festa da gurizada. Mas quando eu fui comprar a máquina eu achei que aquilo era uma puta besteira - comprar máquina pra quê? Vamos no cinema que é muito mais simples... - e quando eu fui comprar o projetor eu vi umas câmeras de filmar. Aí eu vi uma 16mm K-stone. O preço era um pouco maior mas eu passei na casa do meu pai que era lá por perto, ele me emprestou dinheiro e eu fui lá e comprei a camerazinha. Juntei uns conhecidos por aí, puseram uma fitinha, "Olha, põe aqui a objetiva no vermelhinho, aqui que isso aqui dá certo, sai". E saiu, né? E eu, junto com uns caras, falamos: "E agora pra ver?" Aí eu comprei um outro projetor num outro cara mas já era um sonoro. Fiz um negócio com o cara, botei ele na fita também, aí fomos pegar o projetor dele e fomos ver. Aquilo era tudo uma festa, né?


    Isso com que idade?

    Eu já estava pra lá de adulto, eu já tinha trinta e não sei quantos anos.


    Você ficou no caminhão até quando?

    Eu andei com ele cinco, seis anos. É que eu ficava fazendo uma coisa e depois largava. Mas nesse momento eu ainda tinha caminhão. Quando eu comprei essas câmeras eu ainda tinha caminhão. Por exemplo, eu às vezes viajava, fiz um montão de coisas em Belo Horizonte, no Sul, filmei umas coisas, e na verdade estava na moda, estava aparecendo muito disco voador por aí, pelo menos no jornal, e eu falei: "Eu ainda filmo um disco voador". Eu viajava no caminhão com a câmera do lado pra filmar um disco voador (risos) mas era uma câmera muito boa, era uma objetiva já de polegada, que já não era foco fixo e eu precisava prender. Mas o que acabou me mudando as coisas é que um dia eu quis filmar determinadas coisas que eu não tinha condição, conhecimento técnico. E estraguei uma bobininha de trinta metros, e tive que pagar, junto com uns caras, que era vaca pra comprar uma bobininha. Porque tudo naquele momento pra mim era muito caro. Aí eu fui numa dessas óticas e comprei um livro - eu vou só citar este - que era Cinecamera y sua tecnica 16mm, e comecei aquilo que era fotografia e também eu não sabia nada. Aí é que eu percebi, eu falei: "Puta merda, é por isso que eu erro tudo". Aí eu aprendi o que era câmera, o que era luz, o que era fotografia, essa coisa toda. Passei a entender isso. Com este livro, eu já fiz minhas tentativas. Eu morava lá em Jaçanã e tinha uma fábrica lá, uma produtora de filmes chamada Maristela, depois da Vera Cruz era a melhor, só que a Maristela é posterior à Vera Cruz, a Vera Cruz fechou no começo dos 50 e essa foi quase até 60, fazendo uns filmes tecnicamente muito bons. E era a única com capital privado sem picaretagem. Nesse negócio eu conheci um assistente de câmera, por causa da minha 16mm eu fui bater numa tal de Saturno Filmes, porque era um pessoal que trabalhava com 16. Porque o filme que eu tinha comprado estava estragado. Eu comprei numa Mesbla aí qualquer e quando fui reclamar o cara me mandou reclamar com outro cara que o filme não era dele. Aí eu conheci o cara e comecei a aprender a coisa, porque foi a primeira vez que eu tentei filmar negativo positivo. porque antes era sempre diapositivo. Aí eu fiquei sabendo que aquele negativo que eu comprei não era negativo de imagem, era negativo de som. Sensibilidade muito baixa e um contraste tremendo. Aí fiquei conhecendo a moçada, a raça toda que estava por lá, e como eu morava em Jaçanã, um cara chamado Eliseu Fernandes, ele disse: "Quer dar uma chegada e olhar o estúdio?". Eu eu fui lá ver. No dia que eu cheguei, a grua estava parada porque não estava freando. Aí eu perguntei por que não ia. Eu falei: "Deixa eu dar uma olhada", que eu tenho umas idéias, sobre uma porção de coisas. Eu quase sempre fui muito curioso. Aí eu olhei e disse: "Pra trabalhar hoje se vocês quiserem eu dou um jeito nela". Eu notei que o freio dela era hidráulico igual automóvel, e um lado estava com o burrinho vazando. Então eu anulei esse burrinho e ela passou a trabalhar só de um lado. A turma gostou, o iluminador ficou falando. Aí o cara me deu a dica de que lá pelos 50 tinha havido uma escola de cinema em São Paulo com o pessoal da Vera Cruz onde tinha o Nélson Pereira, se não me engano o Roberto Farias que fizeram este seminário de cinema, tinha o Cavalcanti aí também. E abriram esse curso de novo em 56, e eu entrei pra fazer esse curso. Terminei ali por 1960. E esse curso logo depois que eu terminei ele foi pra FAAP e é o curso de cinema deles. Então essa foi a maneira como eu comecei cinema. Nesse meio tempo, eu já tinha boa idéia, já tinha uns vinte ou trinta livros de cinema.


    Esses livros eram todos sobre técnica?

    Todos eles sobre técnica, não tinha mais nada. Era montagem, era produção... Nisto eu conheci um inglês chamado Ballandier que tinha uma câmera, vinha da Inglaterra e disse que estava fazendo direção de fotografia e me chamou pra vir ajudar. Eu até estava ajudando na produção com o meu caminhão, não era porque eu sabia nada não. Nesse momento, já em 55, eu já dominava a minha câmera, a linguagem, eu comprei aquelas moviolinhas... roladeira, como falam, e fiz um filme sobre um padre milagroso aqui do estado de São Paulo. E esse filme até pouco tempo ainda foi tido como um dos melhores filmes sobre essa religiosidade. Fiz de caminhão, eu vinha, filmava... Ficou uma puta surpresa.


    Esse filme qual é?

    Chama Tambaú, Cidade do Milagre. O padre chamava-se Donizete, então todo mundo que se chama Donizete hoje é por causa desse padre. Então eu fui junto com uns caras, fizemos uma sociedade e deu uma graninha a fita.


    Era um curta-metragem?

    Não, um média. Passou em cinema de 16mm. E um cara do Rio de Janeiro, o Wolf, veio aqui e ganhou o que seria hoje um milhão ou dois. O Pieralisi, que é um outro italiano, veio aqui pra fazer um documentário pra ganhar um dinheiro também, mas quando veio isso já estava furado... Aí eu conheci esse cara, e ele precisava fazer uma reportagem, que ele era cinegrafista também, esse George Ballandier, e ele tinha um encontro com uma mulher, e perguntou se eu queria fazer aquilo pra ele. Mas eu nunca tinha mexido numa Arri. Aí ele me deu a Arri e eu disse: "Mas me ensina a carregar". E eu fiz a reportagem. A reportagem agradou pra caramba. Daí pra frente eu virei cinegrafista. E fui cinegrafista quase até 70. Fiz cinegrafia para um bocado de gente. Mas como pra essas produtoras o que eu filmava os caras não montavam porque eu riscava (o filme), tinha uma certa ousadia, inventava, etc., então eu montava. Ninguém fazia primeiríssimo plano cortado pra isso, praquilo e eu logo fazia, fazia o que dava para experimentar. Então eu tinha que montar para os caras. Aí entrava outro negócio: do jeito que eu montava, os caras que escreviam texto pros jornais diziam que não podiam. E de fato não era nada do que eles estavam acostumados a fazer. Então eu passei a fazer o texto também. Eu dava a minha matéria pronta, montada em negativo e escrita. E às vezes fazia um jornal inteirinho. Aí vinha um cara de Goiás, do Mato Grosso e fazia um jornal inteirinho, ele me pagava e pronto. Claro, ele tinha lá as picaretagens dele lá na terra dele. Eu ia lá, filmava o que ele queria, juntava com algumas curiosidades e montava o jornal. E assim eu fui vivendo. Até fazer o primeiro longa.


    Isso foi quando?

    Isto já era 60, tudo no início da década de 60 que eu comecei a fazer turismo e também viajei pela América do Sul toda também numa produção.


    Pois é, eu vi aquele especial do Valêncio Xavier da América do Sul, com os seus curtas.

    É meio chato aquilo... O caso é o seguinte: ele me convenceu a fazer aquela porra daquele negócio (risos). E eu de uma má vontade filha da puta...


    Você estava bem, falando das tribos, dos lugares...

    Depois daquilo eu fiz mais dois. Como também fui ator de primeiro papel em dois filmes. Tinha um cara que queria me contratar para dois ou três filmes, exclusivo, já pagava mas eu tinha que ser o ator principal. Eu disse deixa pra lá que eu não estou muito a fim disso não. Eu as fitas que eu fiz como ator foram muito bem. Eu sempre trabalhei com o David Cardoso. Depois trabalhei com o Mojica também, e a fita que ele fez ficou famosinha, eu não sei qual é o nome dela, Besta Fera...


    O Despertar da Besta?

    É, O Despertar, uma besteira dessa ordem. Tem eu e uns caras aí. "Não, vamos lá!" Não tinha nada para fazer então eu ia. Fui lá e não pagou nada, ele entrou numa fita minha, trabalhou uma hora e quando acabou já foi perguntando "Cadê o meu?" (risos) E no filme dele eu fiquei um mês pra fazer a fita dele. Quando eu falei "Corta! Corta!", ele perguntou se tinha mais alguma coisa e já foi pedindo o dele, falando que não queria em cheque... Ele é desse jeito mesmo. (risos) Você mencionou esse da América do Sul, eu também fiz perto de vinte episódios sobre história da arte do Brasil para a TV 2. Fez um puta sucesso na época.


    Isso foi por quando?

    Perto de 80. Fiz um espetáculo, ficou muito bom também. Este ano, aqui, no concurso de peças tem uma que o argumento é meu, e foi muito bem, ganhou prêmios. Claro que teve o diretor, mas é projeto amador, incentivo para essas secretarias de cultura municipais por aí. Mas agradou muito.

    Bom então este é o começo. Aí eu tive que bolar um filme. Aí arrumei um cara meio sócio. Convenci um pessoal para pagar umas coisas, virou uma cooperativa, né? Tinha cara lá que ganhava pelo papel 0,001 porque não tinha nada o que fazer... Mas a fita foi a que me lançou, a que estourou foi A Margem.



    A MARGEM, AOPÇÃO, AS BELLAS DA BILLINGS


    O que mais impressiona vendo A Margem é que você percebe que é um filme rodado com uma produção muito pequena mas que isso é uma coisa pensada, que em todo momento isso é uma coisa pensada. Você tem um material que de certa forma é precário mas que você trabalha exatamente o jeito de ele ser precário.

    É uma das coisas que eu digo a um bocado de gente. Um cara quando vai fazer um filme, ele tem que ter naturalmente a competência e o conhecimento pra saber o custo das coisas e como ele vai investir. Porque se ele tem 10, ele pode fazer a fita de tal maneira; se ele tem 5, ele tem que fazer de outro, se ele tem 3... até de 1 ele pode fazer, mas cada um tem a maneira de se encarar isso. E é mais ou menos onde eu tenho uma idéia do que eu quero fazer, o que eu tenho disponível para que isso se torne factível. Então eu tenho n fitas de custos baixíssimos por causa disso. É claro que depois eu tenho a habilidade... Por exemplo, eu trabalho com atores amadores, nunca fizeram nada... Quer dizer, nem amadores são... Trabalham com este tipo de técnicos, eu não trabalho com nenhum, eu resolvo os casos, eu que faço a produção segundo tudo aquilo que eu preciso, então há uma espécie de harmonia na coisa que é o que você disse. Mas eu já fiz fita com um terço de A Margem, e ainda deu pra fazer. Que ainda a fita deu alguns problemas, e ainda teve um bocado de gente que foi paga... Ela mal se pagou.


    Mas mesmo assim ela ganhou prêmio.

    Ganhou. Tem uma que eu fiz com a cara e a coragem, viajei uns 10.000 quilômetros de carro fazendo as estradas que é As Rosas da Estrada...


    Aopção...

    Essa fita ficou cara. Se fosse dinheiro de hoje... Aí a Embra me deu um dinheiro para terminar a fita. E um cara filho da puta ainda me rouba dois terços desse dinheiro. Eu dei um dinheiro na mão dele. Ele era de uma firma e eu precisava de uma firma para pegar dinheiro da Embra. Eu apresentando este filho da puta a Embra deu o dinheiro para ele me dar. Ele só me deu um terço porque eu peguei de cara e tive que terminar a fita assim. Eu comecei a fita trabalhando - eu fiz muitos comerciais e fui muitas vezes modelo de comerciais - e nesse momento eu conhecia uns caras que estavam usando preto e branco para fazer som. Pra fazer a montagem de som para a moviola. Eles tinham negativo que não serviam pra nada e em vez de comprar pontas de laboratório, eles faziam isso. E eu passei a negociar com eles, fizemos umas trocas. E eu peguei pelo menos umas sete, oito latas desse jeito. Tem pedaços que eu filmei com positivo... Mas o laboratório era meio ruim, fez umas cagadas mas a fita não está mal não. Pra fazer isso eu tinha que ter idéia de tudo, os carros que iam comigo, quem ia comigo, tinha gente que ia no carro, tinha umas sete ou oito moças, tudo fodidinhas. Tive que arrumar um dinheirinho para dar pra elas e tudo mundo comia e dormia. Tanto que quando eu estava em Vitória da Conquista, eu dei por encerrado com umas três ou quatro que estavam lá mais uns caras. A comida que a gente comia na estrada eu dava o dinheiro para eles comerem. Pagava um PF pra cada um. Porque elas sabiam dividir um PF, na beira da estrada aqui pelo sul é comida pra caramba, come bem o pessoal... Então três comiam um prato e sobrava um dinheiro. Quando eu disse: "Vamos voltar", elas falaram que não iam embora, que era pra ir de carro. Eu dei um dinheiro, porque não cabia tudo num carro, que era um carro só. É tudo uma organização. Então eu dei o dinheiro do ônibus pra São Paulo e todo mundo foi pra Salvador pegar um solzinho (risos). Pra você ver que deu um dinheirinho. "Mas vocês não vão pra São Paulo não?" "Não, vamos pra Salvador." "E dinheiro?" "Não, deu pra juntar um pouquinho..." Porque eram todas pessoas tentando fazer cinema, arriscando, pra lá e pra cá, tudo mais ou menos durango, né? Aí eu peguei meu carro e voltei sozinho. Essa fita é uma das mais baratas. O Vigilante também custou muito pouco. Tinha um dinheiro do estado, a Embra fechou, e mais um bocado de coisas, eu fui devolver o dinheiro porque não dava pra fazer, e eles disseram que não dava pra devolver, "arruma um dinheiro e faz". Eu acabei encarando e fiz só com aquele dinheiro mesmo. E era muito pouco. Mas essa aí pra eu fazer o que tinha que fazer, eu passei a trabalhar só sabado e domingo, porque já estava um pouco crítico gente pra cinema. Porque no começo dos 70, 70 e poucos até perto de 80 era fácil arrumar gente para trabalhar em cinema porque a porta do cinema estava cheia de gente querendo encarar produção. Já em 90 todo esse pessoal estava na porta da televisão, não tinha mais gente na porta do cinema. Então pra arrumar alguém já era um bocado difícil. E eu tinha dificuldade de arrumar os caras parecidos com o que eu queria. Esse era o grande problema. Já nas Bellas da Billings eu já comecei a ter esse problema. Eu me assustei que não dava para fazer bem como eu queria e tive que mudar um pouco exatamente por isso.



    III. AS BELLAS DA BILLINGS, O VIGILANTE


    Qual era o projeto inicial do Bellas da Billings?

    Eu queria trabalhar com gente mais conhecida por exigência de bilheteria.


    É engraçado, porque acabou que o principal é o Almir Sater que hoje é famoso...

    É, mas não pesou nada, não pesou absolutamente nada na bilheteria. E o Almir ainda me atrapalhou. Eu levei os dois como aqueles violeiros querendo gravar. A fita estava marcada no Belas Artes. Quando o cara soube que tinha Almir Sater e mais uns caras, ele disse "Não, fita caipira a gente não passa". (risos) A puta da ignorância, né?


    Como muda... Pouco depois ele fez aquela novela... (Pantanal, n.d.e.)

    Mas não foi por causa da fita nem nada. É que de repente pintou a novela, ele é pantaneiro...


    É, mas se rolasse o filme depois qualquer um ia querer exibir o filme.

    Aí sim, aí poderia, não há dúvida. Foi um cara muito bom para trabalhar, tinha uma facilidade tremenda. Agora, na novela está uma boa merda (risos). Porque na fita ele está bem porque eu exijo dos caras para ver até onde vai. Por exemplo, ele cantando no Largo da Sé, aquela coisa meio pornográfica, ele não podia fazer de jeito nenhum. "Eu estou começando, você vem fazer isso?" Eu falei: "Mas não é você, é o personagem" "Então deixa eu cantar a tal coisa do meu amigo." E eu deixei. E eu mudei lá umas letras, e acho que aquilo fico muito bom ali no Largo da Sé com o Mojica, aquelas coisas. Mas ele é um cara todo cavalheiro, todo delicado, todo macio. E com aquelas grossuras do filme...


    E ele contrasta com o outro personagem do filme, que se faz de intelectual...

    O outro me criou problemas porque ele tinha feito curso, acho que na Eca, ele era de teatro, e tinha idéias própria, puta que pariu! (risos) E o Almir só tinha meio prontas... Eu não estava com muito saco. Mas no fim teve gente que gostou muito do outro personagem. Mas é que o personagem em si, mesmo que ele não interprete bem, já fica engraçado, um intelectual que não sabe ler...


    É, porque ele vai carregando os livros, ele fala para o outro: "Isso não é para você ler, seu imbecil, sua besta"...

    É, tem isso... Mas aquilo tudo são uns caras que eu conheci. Eu sempre faço as coisas baseadas em coisas que eu vejo. Aqui tinha um cara que fazia isso, todo mundo falava que ele tinha rancho não sei aonde, com a mãe dele. Eu fui lá um dia. E a comida era nojenta. Aí que eu fiquei sabendo que na semana ela catava comida ali por perto, dava pros cachorros e pras galinhas e a melhor todo mundo comia. Todo mundo gordo... E ela bebia ainda... Quando eu cheguei ela já estava meio bêbada (e começa a imitar): "Você traz visita aqui, meu filho, sem me avisar, olha a minha casa desarrumada..." Era um rancho mais ou menos sem parede, sabe? Aquele personagem é baseado nisso. E como o personagem do Almir Sater, tem muito cantor que vem da roça pra cidade e que acha que chegando aqui pode gravar e arrisca. Então esse era o outro personagem. E é claro que aí eu fiz as minhas colocações sociais. Eu acho a fita interessante e eu acho que o Almir está bem por causa de tudo isso, está espontâneo. Agora, o que eu gosto mesmo é que no Largo da Sé ele ficou puto da vida, ele não queria cantar. E na hora de comer ele não queria comer, porque aquilo que tinha lá não era lavagem, mas ele não queria. "Mas tem que comer..." Aí ele teve que pegar um pão, tirar um pedacinho, pôr a mão lá pra tirar... E assim mesmo não conseguia engolir (risos). Ele ficou todo impressionado (ele refere-se a uma cena em que aparece um balde com lavagem, ou seja, sobras de comida), porque o negócio ficou mesmo meio nojento, até certo ponto. O presidente da Embra, quando viu o negócio, disse: "Isso parece fita escatológica, você não precisava fazer aquele fim daquele jeito". E aí falei que era meio assim mesmo, o que eu via era meio assim.


    Uma das cenas mais impressionantes é a do ator que passa o filme inteiro falando carregando os livros e falando mal dos outros, mas na hora de ele ler ele mal sabia soletrar, "porque a Di-o... Di-o-ti..."

    Eu tinha que numa hora dizer que ele era assim. Eu queria fazer uma homenagem ao Bukowski, que eu gosto dele, e ao Paulo Emílio. Agora, eu não sei se debaixo do braço dele isso funcionava ao contrário, porque a crítica e uns caras ficaram meio putos da vida.


    Acharam que você estava malhando?

    Acharam que eu estava malhando intelectual, porque ele tinha biblioteca com três livros e dizia "Eu tenho uma biblioteca" "Olha, ele é um intelectual". Fica uma metáfora filha da puta, mesmo (risos).


    Mas isso na verdade você está criticando o pessoal que vive no mesmo meio das pessoas e tenta achar que é superior...

    É, tem cara que não sabe nada, mas porque tem uns livros, porque lê, porque tem diploma... Mas eu não queria que entendessem tanto assim. Aqui tinham uns caras que chegavam aqui, vinham fazer fita e começavam, "Não, mas ele é doutor, ele é médico". Aí vinha outro querendo fazer fita, "Não, ele é engenheiro". E eu falei: "Ah! Então é por isso que ele é bom diretor?" Ah, vão à merda, sabe... Aqui tinha muito disso, sabe? Então o cara já olhava por cima porque tinha um curso superior. Porque - eu disse que estou fazendo um livro que já está quase pronto - chegava aqui neguinho que descobria, e queria fazer uma fita, tem uma história ou tinha recado pra dar ou não, e ficava aí, mas todo mundo aí pelo primário e secundário e olhe lá, sabe? E fizeram algumas fitas, como o Oswaldo de Oliveira, ele na Maristela era assistente de câmera. Aqui ele fez quarenta fitas, quase quarenta filmes. E tinha um aqui que tinha sido seminarista e a fita dele não era grande coisa. E assim por diante. Com isso eu peguei o meu, sobrou pra mim. No fim eu fui disfarçar a metáfora mas acho que não deu... Mas eu acho a fita interessante, agora o que eu gosto dela - por razões pessoais, eu não costumo gostar dos meus filmes -, mas tem lá umas coisas que eu gosto porque aconteceram. Aquele baile misturado no fim, um dança tango, o bugre dança os pulos dele, o outro dança não sei quê, cada um dança como quer... E tinha uma música que era tango, agora cada um dançou o que quis. E tem aquela mulher que dança com o boneco... está boa pra caramba aquela mulher, sensual... Ela foi aprender alguns passos de tango pra fazer aquilo. Ela era amiga do Almir. Ela ficou meio assim comigo porque ela era de teatro, não era nada assim muito boa mas está muito bem na fita. Tem uns caras que babavam vendo ela. Tem o Märio Benvenutti que é o dono da casa abandonada... Porque aquilo tudo é verdade. Só botei o Mário. Tem uma hora que ele quer cobrar, e ele diz: "Não, eu estou trabalhando, a publicidade está ruim". No momento que a fita entrou, já estava difícil. Como com O Vigilante, eu tive que ouvir em Brasília que eu estava fora do tempo, fazendo fitas engajadas quando o Brasil - como está aí na globalização - que o Brasil está uma beleza, que já não tem mais lugar para O Vigilante. Puta que o pariu! E outra: eu ainda acabei ganhando prêmio porque estava lá o Paulo Saraceni e o Mário Carneiro, que era o presidente do júri. Era 92, por aí... E o Carneiro e mais uns dois defenderam a fita em Brasília, porque já tinham dito que aquilo não era fita não. Aí acabaram dizendo "Fita é fita por aquela razão, etc." E aí eu mostrei a fita para alguns professores da Eca aqui, uns dois ou três, e pro Calil, o ex-presidente da Embra, que gosta também das minhas fitas. Eles viram o filme e não elogiaram, mas quando eu fui pegar a fita eu falei para o Ismail (Xavier, n.d.e.), "Olha, obrigado por ter perdido tempo para ver o meu filme". Ele disse: "Obrigado nada. Nós que temos que te agradecer porque há muito tempo não pinta uma fita que vale a pena ser vista".


    O filme tem duas cenas que são antológicas. Uma é quando a menina está morta, estirada no chão e toca aquela música daquele filme meloso, acho que é Love Story, toca aquela música no acordeon, ela toda suja, morta, depois de ter sido violentada pelos caras, e aquele final com as armas...

    Uns caras ficaram impressionados com aquilo, né?


    Quando o filme termina, você não sabe o que acontece...

    O caso é o seguinte: porque ali tem uma posição política meio sério, social. Eu sou até certo ponto a favor do justiceiro. Tem que matar esses caras que saem matando. Agora, não pode se tornar uma instituição porque é meio perigoso, porque nem todo mundo tem critérios ou equilíbrio mental pra isso. Agora, se eu mato o justiceiro eu estou no maniqueísmo sem vergonha de tudo. Se eu faço ele fugir, eu tinha que explicar. Então, o que eu fiz e o que foi isso? Aquele tiroteio dentro do ônibus, aquelas crianças que assaltaram o ônibus. Eu ainda faço uma gozação que os caras estão comendo laranja e põem o saquinho de laranja no rosto - porque todo mundo põe meia, mas ali não tinha nem meia para eles colocarem. E naquele tiroteio zera a história. Aquela boca (da arma) daquele tamanho na tela. Eu pensei naquilo pra ficar bom. Eu misturei farinha de mandioca com pólvora... Então, quando me perguntam: "Poxa, e o justiceiro? Fugiu? Morreu? O que foi?". Eu digo: "Olha! Naquele tiroteio eu também puxei o carro, não sei o que aconteceu." E sabe que resolve? A pessoa fica satisfeita com a resposta. E está explicado que eu não estou a fim de dizer.


    Acaba resolvendo, o importante não é se o justiceiro fica vivo, o importante é a situação social que é do mata-mata.

    Pois é, e eu não podia tomar um partido nisso. Na verdade, aquele justiceiro está certo, mas nem todo justiceiro está certo. Mas como é que eu vou fazer isso? E se eu mato o cara, ou prendo o cara, e aí?


    Fica moralista...

    Pior ainda, né? Olha, se eu tivesse que escolher eu punha ele pra ir embora e pronto.



    IV. QUE TIPO DE CINEMA FAZER?


    Qual é o seu filme que você gosta mais?

    Dos meus? Não tenho predileção por nenhum, nem detesto um também. Eu na verdade não faço o filme que eu gostaria de ver, eu faço o filme que eu acho que deve ser feito e que deve ter pelo menos alguma importância cultural, social, política. Eu faço por isso. Agora, o papo de gostar, é claro, cada um tem alguma coisa que eu gosto, mas é pelo que aconteceu e o que deixou de acontecer, pelas relações com as pessoas na filmagem... Me parece que todos eles têm lá sua importância.


    Mas você separa entre os filmes que você faz de encomenda e os que faz por vontade?

    Eu não tenho fita de encomenda, na minha opinião.


    Mas e a do David Cardoso (Caçada Sangrenta), A Freira e a Tortura...

    Mas eu fiz porque eu quis, ele foi feito como eu queria, não foi feito como o David quis não. E muito menos como o Jorge Andrade, que é o dono do argumento. O que eu fiz é só baseado no argumento do Jorge Andrade, ele ficou puto da vida comigo por causa disso. E o David gostou do negócio, o papel é muito bom pra ele e ele topou coproduzir. Ficou quatro, seis meses preso na censura. Claro que, na revolução ainda, tinha que ter ficado mesmo. Agora, tinha umas coisas no filme que eu fazia umas grossuras na fita com o Médici e ele tirou. E eu só vi isso quando a fita estava pronta.


    Mas não tem na cópia original?

    Não, não tem não porque lá tem montador e tudo... Mas todas as fitas sou eu que monto, ninguém monta fita minha não. Vai montador, não vai, monta como eu quero e acabou. Eu botei lá umas coisas, umas fotos de Getúlio Vargas, Médici e coisa, e estava engraçado, mas meio grosso, como crítica. Claro que depois que eu sincronizei, que eu fui dublar, veio, montei, mas na hora de copiar é claro que eu não vou ficar lá em cima.


    E foi lá que cortaram...

    É, mas eles tinham lá a razão deles porque era meio grossa mesmo. A fita é meio violenta. Era um negócio assim, aquele carcereiro que não gosta do delegado. O carcereiro chega com o quadro do Médici e pergunta: "Olha, onde é que a gente vai pôr?" E o cara: "Ah! Vem cá, vamos pôr na privada! Tira isso daqui que não tem condições." (risos) E ainda era o Figueiredo. A fita, como linguagem, é um pouco diferente das outras, eu acho ela um pouco mais correta, mas o pessoal está muito bem. Tem aquele problema... Naquela miséria danada, o cara que deveria ser um preso que no fim mata ele - porque nos originais não tem nada disso - é um funcionário dele, porque ele não quis pagar o cara, depois ele tem aquele drama... "O cara que eu feri é meio bom e então como é que eu me arrumo?" mas tem também a tia dele, os filhos dele, a ex-mulher dele...


    Quando é que você começou a achar que nos seus filmes deveria ter essa coisa social, política?

    Tem uma coisa que é meio inata, creio eu. É que quando eu fiz o primeiro filme, ele virou mais ou menos social porque era a minha visão de mundo. Eu não sabia, eu não tinha consciência porque eu não usava nada disso, eu ficava por aí, meu negócio era andar atrás de mulher, e nunca tirei fotografia, não tinha nada a ver com nada... Tinha é que trabalhar, né? Eu sempre tive facilidade de fazer as coisas e às vezes escrevia. Talvez tivesse uma certa vocação para escrever. Quando eu era recruta e estava no exército, os caras que escreviam muito mal e sabiam que eu escrevia bem pagavam um almoço pra mim, pra eu escrever carta pra namorada... Dependendo da namorada, eu dizia: "Olha, enfeita bem", ou então não... Isso lá na caserna. Numa das vezes, eu trabalhava no Estado Maior e inventei uma história de ficção, uma viagem de um universo pra outro. Eu tinha idéia assim, dumas coisas astronômicas. Fiz uma nave, aquele negócio todo, e tinha os conflitos dos tripulantes... Mas os tripulantes eram todos gente conhecida: era o cabo num sei quê, o sargento num sei que lá... Então quando eu não gostava o cara apanhava... (risos) E todo mundo lia a minha história. O cabo do rancho, que se chamava Tatu, um dia disse: "Poxa, você precisa me pôr nisso. Você sabe fazer, você apanha qualquer dia aí uma goiabada com queijo". Aí eu coloquei ele e quando dava hora do almoço eu passava ali, tomava um cafezinho, tudo escondido, porque não podia ser de outro jeito. Isso por causa do personagem... Tem uma outra história, de uma zona lá por Presidente Prudente, tinha uns caras que eu conhecia, uns caras da polícia e da comunicação, a gente ia pra lá e eu inventei uma história, eu sentava na máquina do escritório de um deles, e então fazia uma cara escrevendo uma carta para uma mulher no Rio e a mulher do Rio escrevia pra ela. E o tema era o seguinte: era uma cara que tinha saído daqui e tinha ido pro Rio de Janeiro mas tinha sido traficada por traficantes. Então tinha aquele negócio, ela ia pra zona, etc. Ela contava a saga dela toda. Aí os caras vinham aqui, e tinha um cara que levava pra zona e acabava dormindo com as mulheres porque ele dizia que era ele que escrevia. (risos) Tinha um dia que eu dava carta pra ele e ele ia pra zona, uns cinco, seis e a mulherada toda em volta dele porque ele lia, fazia leitura das minhas cartas e dizia que era verdade (risos). Depois é que eu fiquei sabendo, eu disse pra ele "Não tem mais carta". E ele: "Não faz isso comigo..." (risos). Então era assim, social ou não, a minha visão da coisa era essa. Com A Margem, como eu comecei a ter que falar com muita gente, fazer papo sobre cinema, aí eu comecei a pegar o jeito, e tive que me definir com esse problema de posição. E que no fim virou essa coisa do marginal por aqui também. De fato, eu tenho uma certa admiração por Marx, acho um cara importante, pelo menos por ter descoberto que o importante é a mão de obra e não o capital, acho isso muito bom. Acabei sendo meio maoista, porque não podia ser trotskista, leninista, porque me desagrada de fato. Mas eu sempre fui meio considerado anarquista, né?


    Engraçado que a maior parte dos cineastas de esquerda do cinema novo são pessoas vindas da burguesia que são aquela do intelectual que tem que renunciar a sua classe para poder falar. Você não tem isso, já é outra coisa... você já é do campo...

    Se você pegar o Nélson (Pereira dos Santos), ele não é de uma origem muito lá em cima também não. Que é o cara que tem consciência mesmo. Porque o pessoal do cinema novo, eu não acho assim... Eles eram mais ou menos esquerda por um momento que era moda, e depois iriam abrir mão disso. Foi o que me aconteceu em Brasília. Perguntaram: "Olha, você ainda continua com essa de esquerda? Ora, todo mundo já abriu mão". Então tem esta coisa, né?


    O Glauber foi meio porra-louca até a morte.

    Mas nunca foi tido como esquerda nem marxista, nunca. É que inventaram que ele era por uma série de razões. O que ele tinha era uma visão bem liberal das coisas. E o que estava acima de tudo era o cinema. Mas todo mundo inventou aquilo. Ele nunca foi exilado também, como tem um bocado de gente... "No tempo que fui exilado, eu passei por México, por Cuba", eu digo: "Exilado o caralho". Foi tudo auto-exilado. E tem mais: eu acho que aquele cara que é auto-exilado, eu não tenho muito respeito por ele não, porque se ele tinha alguma coisa a fazer naquele momento de revolução, alguma atitude para tomar, vale a pena é aqui dentro, não é lá fora não.


    Nessa época você até burlou a censura fazendo o ZéZero e o Candinho.

    Tem o ZéZero e o Candinho, e ninguém fez isso. Se pegam esse filme eu estava meio mal, ia debaixo de porrada pelo menos. O ZéZero passa por aqui, na Eca, tem um professor... É uma fita que foi feita assim, só eu e os atores, mais ninguém. Todos dois têm prêmio estadual. Quer dizer, por baixo da cortina, né?


    Você teve algum tipo de relação complicada com censura, do tipo ameaça de prisão?

    Não. Eu tinha uma idéia perfeita do que a censura podia fazer. Não é o problema de ser auto-censura, que muita gente acha que complica mas eu não acho. O cara pode se auto-censurar quando ele tem um puta conhecimento. Se ele não tem nada ele vai censurar o quê? Então ele vai ficar com medo. E eu não tinha medo. Por exemplo, Meu Nome É Tonho teve problemas na censura, tiraram uns pedacinhos, e quando veio eu fiz uns cortes. E muita gente entendeu a fita meio como metáfora, mas não é. É uma fita toda cultural, baseada nos nossos bandidos, nosos matadores. Foi um puta sucesso.


    Foi o seu maior sucesso, né?

    Mas também deu muito problema. Teve cinema que fechou por causa dela. No Rio Grande do Sul um cara passou a fita - queria uma fita brasileira pra cumprir a lei que fosse de ação - e o cara exibiu Meu Nome É Tonho. Isso na sexta-feira. Na segunda, o cara quis matar o programador: "Minha cidade é uma cidade séria. Como é que vocês mandam uma fita dessas?" Na Bahia ela entrou num cinema de um reacionário qualquer. Entrou e antes de terminar ele tirou e mandou a fita pra Brasília com uma carta dizendo que se aquela fita tivesse censura ele estava muito admirado, de como é que deixava uma fita daquelas. Isso é das coisas que eu vi. Outra: eu fui vender uma fita, eu junto com um cara, e passávamos por Brasília com dinheiro só pra gasolina e o dinheiro acabou em Brasília. Aí a fita ia ser vendida para um cara, etc. Mas o cara que ia comprar era parente de um exibidor do núcleo de Brasília. E o cara negociou o Meu Nome É Tonho - já era passado - pra ser exibido. Então ele mandou me chamar. Ele estava lá no meio da distribuidora e queria me conhecer. Quando eu cheguei, ele olhou bem pra mim, você que é o fulano de tal. Eu disse: "Sou". Você que fez aquela fita assim. Eu disse: "Fui". Ele disse: "Olha, fita tua jamais passa no meu circuito". E me pôs pra fora, por causa do filme. Então você vê o que é um filme. O cara mandou que eu me retirasse, e ganhou um puta de um dinheiro com o meu filme. Ainda tem isto. Outra: eu entrava no cinema algumas vezes pra ver matinê com a fita. Eu chegava depois de começar e a sala de espera sempre estava cheia de mulher. Aí é que eu notei o que era, é que as mulheres começavam a sair do cinema e os maridos ficavam. As pessoas se aborreciam porque o comportamento dos personagens é tudo fora do que todo mundo espera. Falam: "Mas o Brasil não é isso!" Eu fui com o produtor dela no Rio de Janeiro pra passar na Agência Nacional. Quando está passando, o operador desceu e perguntou pra mim: "Essa fita tem censura?" E falei: "Tem" "Porque se não tiver eu não passo. Se estiver passando eu paro. Tem? Você garante?". Eu falei: "Claro que tem".Tinha nada. E falavam: "Isso não é fita. O Brasil não é nada disso. O cara que faz uma merda dessas tinha que estar na cadeia". A Margem também deu alguns problemas de me telefonarem e esculacharem, um pessoalzinho aí... "Onde é que se viu?"



    V. CINEMA, PRIMITIVO, MARGINAL


    Uma pergunta que eu queria fazer também é relativa a você filmar alguma coisa que geralmente o brasileiro não quer ver, quer esconder, quer botar por debaixo do pano, que ele até admite que tenha na esquina dele mas que ele não admite ver num filme.

    Nesses meus filmes eu fui um pouco além disso ainda. As pessoas além de não quererem ver, ainda se aborrecem. Mas eu tenho dito pra muita gente que às vezes me perguntam, gente bem intencionada até, e que me diz "poxa, por que que você faz um negócio desse, o Brasil com tanta coisa bonita...", aquela história toda. E a minha resposta é sempre mais ou menos a seguinte: "olha, se ninguém mostrar o que está no Brasil pra ser feito e que deve ser feito, um dia os responsáveis podem alegar ignorância, né?" Então eu fazendo isso e outros de outras mídias fazendo, pelo menos pode até ajudar os caras. Ainda eu sigo, por exemplo. Eu estava falando que o governo não toma uma série de providências objetivas com relação ao mercado pra fita brasileira, e um cara chegou pra mim e disse: "mas o que é isso? por que vocês não vão falar isso pro governo porque vai ver que eles não sabem?". Eu falei que eles têm obrigação de saber porque isso que eu estou criticando, esse trabalho que foi feito tem quarenta anos, que uma vez virou Instituto Nacional de Cinema e depois virou Embrafilme, de maneira que o governo está sabendo de tudo isso. Normalmente as pessoas aceitam. É que a minha maneira de apresentar é um pouco crua. As pessoas parece que ficam um pouco chocadas.


    Você faz pra chocar?

    Eu faço sim. Não é beeem assim, eu faço porque acho que aquilo tem que ser feito e eu acho que quando eu faço as coisas meio documentais, eu faço elas mais ou menos como são que é para que possa se ter referencial hoje ou daqui a cinqüenta, dez anos, ou quem for lá para trás também. Porque se eu puser já a minha estilização, cor, puramente na minha visão, seja maniqueísta ou não, eu acho que não é bom. Então eu acho que toda coisa que é um pouco documentária tem que ser meio crua, que é para você poder trabalhar em cima dela. Se você elaborar ela muito, fica meia-boca. O Cangaceiro do Lima Barreto... Na verdade foi um cangaceiro muito bem elaborado que aquilo não é cangaço. Mas a estilização dele parece que resultou muito bem... Não fosse aquilo não haveria tanta fita com o cangaço.


    Tem uma diferença, porque os seus filmes têm um conteúdo político muito forte, e o filme do Mojica, O Despertar da Besta, tem um conteúdo político muito forte também. Mas ele pode ser interpretado como só um filme de terror, uma ficção de terror, enquanto o seu não, o seu tem que ser exigido como aquilo que tá lá, porque você está filmando a rua, e não um delírio, está filmando as pessoas do jeito que elas são...

    Até eu acho que os meus filmes não têm muita semelhança com nenhum do Mojica, que eu conheço bem as fitas dele, e o Meia-Noite fui eu que preparei toda produção pra ele fazer. Para ele, não, para o sócio dele, porque ele tinha um sócio... o sócio é que fazia, o sócio era o mauzinho e ele era o bonzinho. Pra tomar o dinheiro do pessoal por aí. E o sócio dele arrumava dinheiro emprestado, e o Mojica quando a gente passou a tratar da produção, eu levei eles para ver locais, e o Mojica gosta muito de andar de carro, mas na época tinha um certo receio e tal. Depois de eu ter preparado todo o roteiro pra produção, eu fiquei sabendo que ele queria fazer um horror inglês... Ele andava comigo dizendo que eu tinha que arrumar um castelo para ele, que era horror inglês, com mordomo e tudo. Eu falei "Mojica, tira isso da cabeça. Primeiro que não tem castelo, vocês não têm dinheiro pra fazer isso, e vai daí afora." Aí eu levei ele pra ver um casarão e tudo mais, e aquelas coisas de objetos de cena que tem dentro da fita fui eu que arrumei tudo. A sala dele, aquele negócio de parede ornamentada com membros humanos, cabeça, isso e aquilo, a cenografia como fizeram, o cara não entendeu e deve ter ficado melhor do que eu tinha pensado. Mas tudo isso eu já dei, mas era pra pintar o personagem. Uma coisa de cinema acadêmico mesmo, né? Agora, dado um certo primarismo dele e da pobreza da produção, resultou naquilo que foi feito.


    O Meia-Noite ou o Esta Noite?

    O Encarnarei (Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, n.d.e.) Eu também tinha feito pra ele a produção de uma fita chamada Meu Destino em Tuas Mãos. E vai daqui vai dali e o produtor dele queria fazer outra fita. O primeiro filme dele, que é o Na Sina do Aventureiro, foi lançado e deu um dinheiro muito bom no relançamento. No lançamento não deu praticamente nada. Então na segunda vez eles queriam fazer o Destino. O Meu Destino também não deu nada, aí começou a não saber o que fazia, se fazia Marcelino Pão e Vinho, se fazia fita religiosa, e eu escrevi um negócio que eu queria fazer, que é o lobisomem. Mas um lobisomem brasileiro, com toda tradição cultural brasileira. E eles gostaram mais ou menos só que o Mojica gosta mais da coisa espetacular e disse: "olha, vamos fazer um negócio aqui com o teu argumento, topa?" Eu falei: não, no meu argumento, não, eu já sei que não é o que você quer. Aí ele inventou o Meia-Noite. Quer dizer, não foi ele que inventou, quem faz o negócio é o Luchetti, é ele que faz o roteiro. A idéia foi dele fazer isso, mas eu que soprei primeiro.


    Mas a idéia de fazer um personagem brasileiro, mesmo...

    O meu é um lobisomem brasileiro. A idéia do personagem que ele fez é dele, não é minha. A minha é de fazer o horror. Na minha opinião, não é também horror assombração. Foi ele que começou a falar em horror. Como ele é um cara de periferia e chegado nessas brasilidades, lia muito gibi, então lá no bairro dele o dono da funerária chama Zé do Caixão, o cara que trabalha na feira é o Zé da Feira, e vai daí por diante. E ele pôs então o Zé do Caixão, que é um negócio muito bem achado.


    Te agrada o estilo do Mojica?

    Não, eu não gosto. Primeiro que o estilo dele é o cinema de ninguém. Por duas razões, ele fez uns dois ou três filmes razoáveis. Isso no momento em que ele estava mais ou menos começando, e ele queria fazer um filme de horror. Mas esses horrores saíram, na minha opinião, dados ao pouco conhecimento de cinema que ele tinha. Por isso que saiu essa coisa meio primária, no caso do Meia-Noite e do outro. E essa linguagem é que agradou. E teve o momento político que isso era importante. Hoje essa fita podia ser uma merda, não ia acontecer nada.

    O Glauber, no livro dele que você deve ter lido, ele disse: "O único cara que presta em São Paulo é o Mojica". E ele nunca viu a fita do Mojica. Aí o Mojica ficou lá em cima. É aquela coisa do paternalismo da classe média que precisa exercer as suas caridades. Mojica é o coitadinho genial, porque o Glauber falou. E todo mundo passou a endeusar o cara. E ele, muito esperto e competente, adotou isso. Encarou, adotou e aceitou. E aceita até hoje. Eu, como motorista de caminhão, tentaram isso comigo. Eu falei: "Péra um pouco, vamos acabar com esse negócio. Motorista de caminhão é ignorante, é idiota, o que que é?" "O cara era motorista de caminhão e agora fez uma fita..." O que que isso tem de extraordinário. "Saiu da boléia e fz um filme" E eu falei "isso não é bem assim não". E eu desmanchei tudo isso. Senão ia ter que competir com o Mojica. Muita gente quis dizer que a fita era primitiva ou primária. Não é. Porque a primeira parte dela é o resultado, a estrutura de um roteiro que nunca ninguém fez. Ela caminha só de subjetiva em subjetiva (ele está falando do longa A Margem). A fita do Mojica é de qualquer um. A tomada entra quando acha que tem que enfeitar. E a minha não: um cara tá olhando pra um e aquele olha pra um outro, se os dois aparecem tem um terceiro, se ele tá sozinho... se por exemplo eu quiser fazer uma fita, eu estou aqui só (e começa a demonstrar um movimento de câmara subjetiva). Isso é um puta raciocínio. E isso te limita, ou você arruma o que contar ou está fodido. De repente eu estou aqui conversando com você e, pra dizer que é um boteco, estão lá os caras jogando sinuca, mas se eu tiver que mostrar que tem alguém jogando, eu ponho a mão aqui (de novo, n.d.e.), a máquina vira e pega os caras jogando. Aí, o cara quando olha pra bola, aí eu corto. Mas aí pra eu voltar pra ele alguém tem que olhar pra ele e eu volto.


    Isso aí é uma questão de linguagem, de tentar mostrar sem ser supérfluo...

    Não tem nada supérfluo. Isso foi tudo que não teve, muita gente ficou surpresa com isso. A primeira parte é inteirinha assim. São duas histórias e quatro personagens. Os personagens da primeira história são o Mário Benvenutti e aquela negona. Eu desmancho isso um pouco quando eu mostro aquela parteira, que aquela é um ente meio mítico, porque ela vê de costas, ela vê de qualquer lado, então quando ela olha pode mostrar qualquer coisa, necessariamente ela não tem essa limitação. É quando eu escapo da coisa, de propósito, não é por preguiça. A outra parte do filme já vai mais como deu certo. Mas também não está cheio de tomadinhas, assim, o que está lá tem sentido. Então logo não parece nada com o Mojica ou coisa nenhuma. Mas quase ninguém entendeu isso. Esse negócio de primitivo em cinema eu também acho meio difícil. Ser primitivo em pintura, vai bem.


    No cinema tem que controlar muita coisa, se filma primitivo tem que montar também...

    Tem um monte, você depende de um monte de equipamento, um monte de cara que você tem que levar... Aquilo que um crítico, não sei se é um tal de Bernardo Carvalho disse, falou que uma fita do Babenco era a fita de qualquer um. Eu achei isso meio bom pra esclarecer umas tantas coisas. Porque tem filme que é isso, qualquer um que fizer bota o nome lá... Porque no cinema brasileiro pouca gente tem personalidade cinematográfica.



    VI. BOCA DO LIXO, CINEMA


    Quem você acha que surgiu desse movimento - nem foi um movimento, mas foi uma coisa que comercialmente teve um peso - da Boca, quem que você acha que apareceu daí que realmente tem valor? Nas entrevistas você fala que não existe um movimento da Boca, uma linguagem da Boca, que existiam várias pessoas fazendo cinema. Quem você acha que surgiu de valor daqui?

    É, porque não há bem uma linguagem. Há um tipo de cinema porque por razões econômicas, ele teria que ter aquela característica e naturalmente tinha o problema que estava vendendo e que era a moda - o que há anos já tinha acontecido na Europa e que estava acontecendo aqui - essas liberdades sexuais, então passaram a usar o pornô. Então a crítica, pra avacalhar, começou a chamar pornochanchada, por causa da proposta erótica e a condição de produção mímima. Isso aqui me faz lembrar Almeida Garret, que disse: "Para se ser escritor, é muito simples. Basta ler fulano, ler fulano e ler fulano". Então você arruma um vilão, uma mulher bonita, uma bruxa e depois vai escrevendo que costuma dar certo. Você pode falar de Lisboa, você pode falar de Paris sem precisar ter ido lá, você vê os nomes dos botecos e escreve. Eu acho que isto muito se aplica a este cinema da Boca. Porque ele foi feito mais ou menos desse jeito. O cara ia no cinema, via lá um negócio e botava, ia em outro e assim por diante. Até certo ponto o cinema brasileiro é um pouco isso. Com algumas exceções, acho que com uma exceção de no máximo 20%, porque o resto é meio isso. Aqui tinha gente que chegava na moviola com cópia de filme para ver como é que dava para ir fazendo as tomadas. Então eu acho que o que o Almeida Garret fala da literatura serve aqui para um bocado de gente, porque você vê uma fita, são quase todas do mesmo jeito. Todas elas têm aquele negócio, o cara trepa na cama, o cara trepa em pé, o outro vai trepar na areia, a outra trepa no mar. Ou é traição. Tem uma estatística, esse tipo de fita mais ou menos chegou em 78 a pelo menos 4 milhões de espectadores. Coisa que hoje quando fala em milhão fica todo mundo de olho aberto. Então, o Mazza levava 10,5 milhões, a Xuxa numa delas 9 milhões, Trapalhões levaram quase igual numa das fitas... Pedro Rovai deve ter uma média, só ele, de 4 milhões. O Pedro parece que descobriu bem esse tipo de fita, ele começou com Adultério à Brasileira, que teve o Adultério à Italiana e parece que deu... Ele sabia como escolher o título... Agarro Essa Vizinha... e aqui o negócio era descobrir o título... Tanto que quando eu fiz Aopção, isso aqui já tinha ido pro buraco, um cara perguntou pra mim: "Qual é o nome dessa tua fita". Eu falei: "A fita é Aopção." "Opção?" "É." "E esse nome vai passar na censura?" Você vê que o cara pensou que eu arrumei um nome pra botar na fita... (risos) Andava por aqui um tal de Roberto Mauro, andou fazendo umas coisas, e agora parece que é pastor igual o Jece Valadão, sabe? Até eu vendi um roteiro pra ele e um produtor aí, e ficou até boa. Era uma fita de dupla personalidade. Claro que é um negócio meio complicado mas não ficou mal.


    Qual é o filme?

    Eu não me lembro o nome. Quem dirigiu foi o Roberto Mauro (trata-se, de fato, de Desejo Violento, de 1978). Eu vendi o roteiro para eles e a fita não ficou mal. E depois, teve aquela história dos marginais, etc. Quem começou meio com isso foi até o Roberto Santos. Ele chamava essas fitas, a minha também, de malditas. Então começou esse negócio de maldito e de repente virou marginal. Então eu acho que essas fitas deviam ser marginais porque tratavam de personagens marginais. Mas isso também foi uma, duas vezes, e aí acabou a coisa.


    Foi um período curto.

    Foi curto, tem uma meia-dúzia de fitas só. Eu acho que as minhas continuaram mais ou menos dentro dessa proposta.


    O Sganzerla e o Reichenbach fizeram filme aqui. O que você acha do trabalho deles?

    O Carlão fez uma produção aqui com o dinheiro do bolso dele, o segundo ou o terceiro longa dele, eu acho muito bom.


    Lilian M?

    Isso, Lilian M... Mas eu acho esse A Corrida em Busca do Amor a melhor coisa, sabe? Mas não serve muito de referencial porque é uma fita feita num tapa com ele e o Jairo Ferreira, mas que eu acho engraçada pra caramba eu acho. Acho bom pra burro aquilo. Ele e o Antônio Lima. Do Sganzerla eu tenho as minhas restrições porque não é uma fita feita com certas liberdades. E depois me parece que ela como um todo é um filme razoável, mas dependente muito do texto, sem o texto ela pode se acabar. E depois tem o referencial dela que é o cidadão da França... a fita é parecidíssima com Pierrot le Fou. O que é interessante na fita do Sganzerla é o comportamento dos atores, o assassino, o marginal, o malandro, o vagabundo, não é esse estereótipo que tem por aí. É um cara como outro qualquer, com as mesmas tristezas e as mesmas alegrias. E o Godard fez isso muito bem, eu gostei do filme dele. Acontece que tem uma fita, do cara que fez Bonnie and Clyde nos Estados Unidos.


    Arthur Penn.

    É, o Arthur Penn. Em Bonnie And Clyde ele já faz exatamente isso. Eu não sei se foi o Godard quem adotou esse comportamento marginal, ou se é o Arthur Penn. Nunca ninguém questionou isso, mas eu presto muita atenção nas coisas... O forte do Godard nessa fita é isso. Não é porque o cara está todo fodido, todo mundo querendo matar que... não! Você pega aqueles dois pós-adolescentes que são Bonnie e Clyde, e parecem de classe média em todas as suas atitudes, até morrer. Eu acho que isto é uma colocação, e que depois o Sganzerla fez a mesma colocação. É meio besteira minha, mas o que eu gosto mais dele é A Mulher de Todos. Me pareceu melhor e mais dele. Mas falam do Bandido, Bandido... e outra, a fita foi feita de bandido não foi por causa do bandido (o verdadeiro bandido da luz vermelha, caso dos noticiários da época), foi por causa da publicidade que estava nos jornais em cima do bandido da luz vermelha. Este pessoal, falavam que as fitas desse pessoal eram meio subterrâneas, e que começaram a chamar de udigrudi, de underground, e eram fitas com propostas acentuadamente comerciais e que iam pra censura e que nada tinham a ver com seu referencial que era o underground dos Estados Unidos. A única coisa que poderia ser com cara de underground são o ZéZero e o Candinho.


    Você tirava elas da censura. Não era nem oficial a exibição delas...

    Eu convidei esses caras pra gente trabalhar juntos, fazer uma meia dúzia delas, pra fazer frente à censura dos militares, mas ninguém topou. Falei com todos esses aí. Então eu pus a máquina nas costas e fui embora. Agora o Carlão (Carlos Reichenbach, n.d.e.) ainda me emprestou o estúdio dele, me emprestou moviola, uma porção de coisas. Um outro cara me emprestou a câmara pra eu filmar e a coisa foi feita mais ou menos assim. Fiz nas escolinhas do Mojica, fiz com outros atores, essa coisa toda, mas ninguém quis entrar comigo. Foi feita sem entrar na censura, era escondida. Quando era passado na faculdade eu levava outra fita... tinha um olheiro e, se ele desse o sinal, tirava o filme e botava desenho animado. Eu sabia que não ia dar certo. (fala de ZéZero) Os militares fizeram a loteca como uma grande coisa. Então o cara pra poder jogar na loteca, no caso de um operário, tem que jogar todo o salário e morrer de fome. E já antes tinha dito, essa loteca dá ou não dá? Então quem é o responsável? Essa loteca era uma enganação, não tem outra, sabe? E o Candinho é um cara que eu ouvi dizer, que o padre disse pra ele, que quando ele estivesse fodido, que procurasse Deus e ele resolvia. Isso é baseado numa música peruana. Mas não é muito incaica, é misturada, entre espanhola e inca, que fala desses mineradores. Então eu fiz isso, tem um cara que está com a família fodida, o dono da família joga ele fora, ele sai e o padre dá um santinho pra ele, ele olha a reza, faz, vai na igreja. Então ele, com o santinho, anda por São Paulo, por todo canto, e um tipo de chola anda com ele também. Chola é uma mestiça de incaica com espanhola. E andam os dois juntos para verem se resolvem a vida. E lá num dia ele desiste, sai andando e ouve Jesus Alegria dos Homens e segue a luz, essa música, e entra no lugar que foi no estúdio do Carlão. Como não tinha dinheiro pra fazer cenografia, disse então tá, e fiz com fundo infinito, aquela coisa toda que visualmente ficou bom. Quando ele vê o lugar onde tocava aquela música está o fazendeiro que tinha chutado ele pra fora estava falando com alguém que parecia com Deus, estão tomando café, numa boa, e os capangas estão juntos. Ele é meio imbecilóide e aleijado. Ele chega, vê aquilo, corre lá e Deus dá a mão pra ele, ele põe a mão, fica deslumbrado, vem o café e não dão café pra ele. O fazendeiro vira para o Deus, fala qualquer coisa, os caras ficam olhando. Quando ele sai ele já nem manca mais e já não está mais imbecil. Ele olha assim, vê longe uma cruz com uma metralhadora dependurada. Ele sai andando e chega na cruz e fica olhando. E a chola também chega. Aí eu ponho som de rajada de metralhadora. Só que ninguém teve coragem de fazer uma crítica de cinema. Agora eu vou mandar isso pra censura? (risos) Eu gosto muito mais do Candinho, bem mais do que o ZéZero, mais que o da loteca, bem mais. Por causa dos meus personagens eu fui preso, a polícia me pegou, mas tinha um cara que estava de longe vendo, ele escrevia no Estado, correu na polícia que eu já ia pro DOPS. Ele chegou na polícia e falou: "ele tá fazendo filme, não é nada disso não, eu estou assessorando ele", e me soltaram. Outra vez foi num viaduto, uma mulher chegou e perguntou "por que você está fazendo isso?" Só pra você ver, eu estava filmando, não foi com a exibição do filme não.


    Você filma muito por aqui?

    Não, só quando comporta. Por exemplo, em Aopção, dá pra entrar aqui.


    Na parte da cidade...

    Isso, tem aquele cara que anda com as duas pernas só pra cima, eu fiz aqui num boteco. E engraçado que todo mundo tem medo de falar de aleijado, mas o aleijado está nos meus filmes porque o único lugar onde ele pode se relacionar como aleijado é onde ninguém o trata com paternalismo nem com dó, que é onde ele pode existir. Tem um negócio que eu estou pra fazer, que se chama O Caixeiro Viajante Que Não Morreu, que eu dou idéia e explico que em todo lugar da zona, no tempo que viajante era o tal, os caras iam pra zona, porque lá não há muito preconceito, todo mundo vive lá e ninguém tem paternalismo. Nesses meus filmes, tem isso. E tem As Bellas da Billings, aquele cara que pede esmolas, ninguém entende bem. Pois bem, um cara todo fodido, pede esmola e tem empregado um cara que podia estar na produção. Quer dizer, aonde está o defeito? É numa sociedade toda errada. E este cara que podia estar trabalhando, não, está de óculos de walkman, e todo mundo ficou puto da vida comigo, porque ele vai na cama, põe ele nas costas, leva ele na privada... É onde o Calil fala, "como é que você põe um negócio desse?" E isso acaba chocando, porque ninguém quer ver isso, porque eu também trato esses aleijados sem paternalismo, está aí.


    Você trata ele como um humano, como os outros não tratam até...

    Em Aopção, ele está na mesa e o cara diz: "Lê essa carta aí pra mim", quando ele recebeu uma carta da Bahia. E o cara pergunta para ele "Escuta, mas você não sabe ler não?" E o outro responde "É que eu não trouxe os meus óculos..." Quer dizer, é um analfabeto. E tem aquele negócio, que baixinho, aleijado, só serve pra levar recado pra puta, né? Aí ele fala "Então leva isso aí pra fulana." E ele sai com aquilo na cabeça e a mãe disse: "É, a sua irmã vai bem, agora arrumou um emprego, disse que vai trabalhar lá em baixo, vai ser 'maratriz'". São coisas que acontecem, ele fez o serviço dele, foi levar o recado pra puta... enquanto o outro bebia, comia... Mas num dia em que eu já estava fazendo a fita, cheguei ali e tinha um cara que não tinha braço nem perna, um toquinho de gente, ele estava comendo lá aí eu paguei a comida dele e filmei. Mas comporta. No Vigilante é diferente, não tinha, eu não vou fazer esse negócio. E tem aquela homenagem aos caras que eu faço, que tem o Carlão, tem não sei quem, e o cara fala: "Esses são os marginais", tal e coisa...



    VII. A HERANÇA, MANELÃO, A VISITA DO VELHO SENHOR


    Tem um filme que permanece para mim um mistério, que é A Herança, que eu não pude ver, que se diz que é baseado no Hamlet. Queria que você falasse sobre essa relação que você faz no filme.

    A fita foi mal, já estava começando tudo a ficar mal. O Jack Valenti já tinha estado no Brasil e proibido de passar fita brasileira, e já se estava aceitando isso, sei eu bem por quê. O caso é que nesse filme eu tinha um pouco de dinheiro do governo do Estado para fazer uma fita, éramos eu, Pedro Rovai, Roberto Santos, deram um pouquinho de dinheiro para dez caras. Mas eu resolvi fazer o Hamlet, e claro que sem dinheiro eu resolvi fazer uma fita sem diálogos, sem nada. E eu fiz uma transposição de espaço e tempo e parece que agradou. Não agradou o pessoal de teatro, o pessoal de teatro achou ruim, achou uma merda a fita. E eu fui na Eca falar sobre isso, e os caras me malharam, disseram que eu não tinha feito a fita como era. E eu falei, não, isso é uma transposição, coisa e tal. E eu disse: "Olha, tem mais uma coisa. No orignial, quando ele morre, toda a herança dele fica pro primo, parece que é o Fortimbrás, não sei o quê. Na minha não, ele teve a decência de fazer uma doação de todas as suas terras aos seus colonos. Pelo menos isso eu fiz." E isso era a maior sacada na época. Porque na verdade o Hamlet é um puta babaca. E aqui eu livrei a cara do sujeito.


    Eu imagino que o pessoal deve ter ficado fulo.

    E a turma entendeu mas não teve jeito, e parece que aceitou. Porque naquele momento não aceitar um negócio desse, meio pró sem-terra, quem não ia aceitar? Porque esses caras gostam de encher o saco, mas é isso mesmo, eu já estava meio politizado e fiz esse negócio.


    Mas qual era o enredo do filme?

    Era o Hamlet, eu não mudei nada. Aqui, ele era o filho do fazendeiro que foi estudar na cidade e depois voltou. Depois gostou da Ofélia. Agora, Ofélia que por razões de liberdades étnicas, é mulata. O irmão dela, não me lembro o nome dele, é um negão. E o pai é branco, é capataz. Era para pintar um Brasil. Na hora do duelo, é no tapa que eles brigam... O veneno é representado por um capanga que estava escondido, e na hora de atirar no Hamlet, quando o cara dá um tiro no Hamlet e pega a mãe, então tá tudo resolvido desse jeito. Os saltimbancos, que ele escreveu uma peça para eles fazerem, eu fiz uma moda de viola. Então ele chega no circo da cidade e pede para o violeiro cantar e aí a família rica vai ao teatro ver espetáculo só pra ele. Quando ele começa a cantar a moda, eu começo a cortar para as reações da mãe, do pai, dos outros personagens... Isso é o que eu gosto mais na fita, e agradou pra caramba isso. Porque o tio dele saca que ele está sabendo. Como só tinha a música, eu acabei pondo texto. Eu fiz um papo por baixo da imagem, só que ficou tão ruim que eu sumi um pouco com ele, e acabou que na gravação sumiu foi tudo mesmo. E eu falei que se dane. Aí botei legenda, e ficou bom. Ficou um negócio besta mas eu ganhei uns dois ou três prêmios com ele. Outra: em Curitiba, há uns anos atrás, foi o Valêncio (Valêncio Xavier, poeta visual e grande admirador do trabalho de Candeias, tendo inclusive produzido A Visita do Velho Senhor e Lady Vaselina, além do especial de televisão "A América do Sul por Ozualdo Candeias") que me falou. Ele pegou a fita e mostrou para o pessoal da embaixada inglesa, e o pessoal resolveu fazer um concurso da melhor adaptação de Shakespeare para o cinema. E foram buscar todas as fitas que têm Shakespeare. Então foi Kurosawa, foi Laurence Olivier, sei lá mais quem... E foram todos. "Mas já acabou o concurso?" "Já. E tem mais uma coisa. Senta." "Por quê?" "Senta. Porque você ganhou. Lá eles acharam que a tua foi a melhor adaptação". Porque foi uma transposição que foi uma visão minha. Eu falei para o pessoal do teatro: Por que se tem que fazer Shakespeare exatamente como vem todo mundo fazendo, faz na China, faz na Europa, faz na Rússia. Por quê? Será que isso seria Shakespeare? Será que no tempo dele era isso? Eu pelo menos fiz o seguinte. Não pretendo ter violentado o cidadão, mas hoje seria uma coisa como essa que eu fiz. Isso se fosse no Brasil. O pessoal desse concurso percebeu exatamente isso. Isso que eu achei curioso. Por que eu vou ter que tentar fazer - essa é uma das vantagens dos meus negócios - por que é que eu tenho que fazer o que o Kurosawa fez, o que Orson Welles... e daí? Mas teve gente que só faltou me bater, uma vontade de me dar um couro...


    Falta falar só de dois filmes, que são A Visita do Velho Senhor e o Manelão.

    A Visita do Velho Senhor foi o Valêncio que produziu. Era um conto gráfico do Poty. Eram cinco cartõezinhos e cada um tinha uma figura, mais ou menos que representava na minha opinião um cara indo na zona. Mas depois, num dia, quando eu conheci o Poty, eu estava em Curitiba e estava zero grau. E nós fomos na zona. E lá na zona eu fiquei fazendo que lá naquele frio a mulher não gostava de ir pra cama, o sexo tinha que ser oral. E na história gráfica do Poty é mais ou menos isso mesmo. Eu entendi assim. Eu arrumava os meios, fui pra Curitiba e o Valêncio bancou a produção, arrumou um dinheirinho aqui, fita na cinemateca de lá e ele fisicamente fez a produção, fez assistente de câmara também, me ajudou na iluminação e eu fiz tudo em cima do tablado, em dois pedaços de noite, com a câmara na mão, andando. E teve uma virtude essa fita: agradou muito. O Poty depois que soube disse que queria os negativos porque não tinha autorizado nada. Aí o Valêncio mostrou a fita e ele ficou maravilhado e disse que queria me conhecer. Eu estava no Rio e ele me telefonava, "vem cá, vamos jantar" e tal. Mas acabamos não nos encontrando. E a fita foi para aquela mostra internacional de Salvador. Mas a censura quando viu a fita brecou até o festival, parou, tirou a fita e ia mandar pra Brasília. Aí a imprensa veio e a censura resolveu: "então tudo bem, fica com a fita mas nem prêmio nem exibe mais. Senão fecha". Então nem prêmio e nem exibe mais. Eu tenho uma outra, eu não sei onde está, eu perdi a cópia, acho que deixei em Curitiba: se chama Senhor Páuer, que é produção também do Valêncio... não, essa não é do Valêncio, é da Cinemateca. O argumento é o seguinte: houve uma greve em Curitiba e não tinha ônibus. Estava passando uma carrocinha de catar papel, e um cara pega a carrocinha e obriga o cara a levá-lo. Aí o cara na carrocinha tinha uma criança, vai dali, vai dali e a carrocinha fura o pneu. O cara vai consertar o pneu e quando ele volta não tem mais a mulher, o cara também já tinha levado a mulher em casa. O cara sai procurando a mulher, passa numa favela e o cara diz pra ele: "Olha, vem cá" e ele passa a mão numa 165 e deu pro cara... Eu dou uma idéia meio de terrorista nessa coisa... não tem fala nenhuma... O cara passa a mão na arma, bate na porta, pega a arma, aponta - está mais bem feito do que eu estou contando - e o cara não tem coragem de atirar (o ruído de fundo impede que a conversa fique audível). Eu acho muito bom esse Senhor Páuer. Mas muita gente não entendeu muito bem não.


    Esse filme não passou muito não, né?

    Não, passou por lá. Sabe o que é, tem coisa demais, você tem que andar cobrando... Mas o pessoal da Eca gostou muito. Mas é muito boa, os atores estão muito bons. O cara pegou a carrocinha do outro, vendeu a mercadoria, pegou todo o dinheiro, tomou a mulher do cara e quando ele descobre onde está não tem coragem de fazer nada. É por isso que muita gente não gosta dos meus troços, ou entende e acha que isto não está certo.


    E quanto ao Manelão?

    O Manelão é o seguinte. Porque todos os meus filmes são meio vivência, coisa que eu conheci gente, coisa que eu vi de toda essa regionalidade. Eu queria fazer por exemplo um matador profissional desta região que todo mundo conhecia, era uma lenda, e eu disse que não, que era um fodido que de repente entrou pra ser matador sem querer. Porque tinha a história do cara que era tropeiro, trabalhava com a tropa, e pegou uma gonorréia. Ele vai na farmácia e um cara propõe a ele, não fica assim tão claro, o cara diz: "Fala pro cara que eu curo a gonorréia dele, mas ele tem que me matar um fulano", um cara que comeu a filha dele e não se casou. O cara faz isso, vai lá e mata, depois mata mais alguns. E aí eu faço ele contracenar com um cara que paga e este outro cara é o capanga de um fazendeiro. Mas nessa fazenda a população masculina é maior do que a feminina então o fazendeiro arruma uma mulher da zona e diz que era mulher do capanga. Pra resolver o problema sexual das pessoas, assim, dentro dessa moral remendada. Nisso eu vou mostrando um monte de coisa de regionalidade. Nisso o cara acaba gamando na mulher. Um dia pega o cara trepando com a mulher, quer matar o cara, manda o cara correr e tal. Ele fica sem saber o que é, aí procura o patrão. O patrão vem e ele mata. Aí ele fica com remorso e tudo mais. E os matadores levavam a orelha para saber que o serviço tinha sido feito. Mas como ele também era matador ele matou o patrão e cortou a orelha. Aí ele pegou a orelha do patrão e pôs na mão dele. Disse: "Isso aqui é para o senhor. O senhor me desculpe, eu não sei para onde o senhor vai, mas quando chegar lá...". Aí ele saiu correndo, pegou a mulher e fugiu. Pegou a mulher e disse: "Olha, vamos fugir". Aí tem o final. A peonada da fazenda sai a cavalo mas eu mostro eles a cavalo e depois só primeiro plano eles gritando "Mataram o doutor! Mataram o doutor!" Aí tem um vagabundo que anda por lá a pé, olha para eles e diz: "O doutor morreu? Morreu, tá bem morrido" E os caras lá: "Mataram o doutor!" Continuam os primeiros planos e o cara fala de novo: "Olha, quem morreu está bem morrido. Se não tivesse doutor não tinha matador". Vira as costas e vai embora. Essa também agradou muito aí. Passou muito no nordeste. Mas tem esse recado. Eu fiz aqui pro lado de Minas, o que ela tem é muito bonito, paisagem, carro de boi, todos esses troços. Tem este conflito, mas eu mostro a arquitetura, a paisagem, por exemplo, tem uma paisagem de cupim de dois, dois metros e meio de altura assim que é um monte. Os gaúchos viram isso e disseram um ficaram impressionados, porque lá não tinha nada parecido. A composição me parece boa, o andamento da coisa, o corte bom. E tem esse problema de mostrar a paisagem, mostrar isso, as pessoas, uma porção de coisas assim.


    Dá pra se ver que desde o começo você tem muito essa relação com a natureza, muita relação com filmar não só os personagens, mas com o ambiente. Você acha que se você mostrar muito o ambiente você acha que isso afeta a relação dos personagens com o ambiente?

    Não, não, eu acho que todos estão inteirados. Uns amigos do Wajda, aquele polonês, estiveram no Brasil, viram uns filmes meus e ficaram admirados com isso, com a integração. Tal personagem e a coisa. Porque eu não trato do personagem e você não sabe de onde ele é. Mas não. Então só podia ser aquilo mesmo. Eles que me falaram. Me parece um pouco isso.


    Eu acho que é isso mesmo, a questão de filmar o ambiente como parte constitutiva, o personagem é igual, junto

    Claro, está tudo inteirado, o que tem ali é isso. Você vê a paisagem, por exemplo do Manelão, é Brasil sudeste-centro oeste. Você vê, tem essa coisa, tem o cupim, tem a montanha, tem a porteira, tem a casa mineira, e aí eu faço questão de mostrar como é a casa mineira. E vai daí afora. E a outra da estrada é a que você viu (ele fala de Aopção), que eu mostro a estrada. Então eu acho que não vi fita nenhuma brasileira com essa espécie de retórica em cima de uma paisagem rural. E eu falo que essas fitas são caipiras, os caipiras dizem que não, que caipira é o Mazzaropi. Manelão é caipira, Hamlet é caipira. Porque o caipira não é aquele bocó não. Em Meu Nome É Tonho, os caras que gostam de Guimarães Rosa disseram: "Olha lá, Guimarães Rosa". Disseram que a fita é interessante. Pelos tipos, tipologia. E tem um drama, também, não é assim, sabe? Se mata pra burro. Ali também eu abusei. Mas ficou bom, não ficou gratuito, nada. Tem a arquitetura, uns caras a cavalo, e a roupa arruma por lá mesmo, não é esse negócio de country nem merda nenhuma... essa besteira que está aí. Bom já tá falado, né?
***

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Para la traducción al castellano me he apoyado en los subtítulos en inglés.



Comparación de capturas con el VHSRip que aparecía en la filmografía de cine marginal:
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srjaime
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Re: A Margem (Ozualdo Ribeiro Candeias, 1967) DVDRip VOSE

Mensaje por srjaime » Mié 08 Jul, 2015 21:39

Muchas gracias, V. ¿Tienes todavía el archivo? parece que está sin fuentes.

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srjaime
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Re: A Margem (Ozualdo Ribeiro Candeias, 1967) DVDRip VOSE

Mensaje por srjaime » Jue 09 Jul, 2015 15:51

Bajado por torrent y emulizado.

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